Teologia e Cultura
Para uma teologia culturalmente audível…
Toda teologia é contextual
As asserções acima implicam o seguinte:
Ponto de partida
Tomemos como ponto de partida a seguinte asserção: “Toda teologia é uma teologia cultural”. Se esta asserção pode ser considerada válida, importa, antes de mais nada, esclarecer brevemente as etimologias ligadas aos conceitos de “teologia” e “cultura”. A teologia, como sugere a etimologia, é o discurso sobre as coisas divinas; “ […] falar de Deus testemunhado nas Escrituras, em toda a coerência” (J.Y. Lacoste, 2007: 1377). É um discurso sobre Deus. Enquanto que a cultura é o “conjunto de meios mobilizados pelo homem para se tornar mais humano, mais virtuoso e mais racional”. Entende-se também por cultura o “conjunto de gestos, práticas, ritos, palavras comuns, etc. [ligados a um] grupo humano […]” (J.Y. Lacoste, p. 359).
Se a teologia implica um discurso sobre Deus, então não há teologia sem discurso. Se perguntamos quem pronuncia o discurso, a resposta é clara: só o “animal” racional pode discursar, logo é o homem quem faz o discurso; é ele quem fala sobre Deus. Este ser dotado de capacidade discursiva é marcado pelo seu vivido, sua experiência de vida, circunstâncias históricas; é unicamente ele, caracterizado pelo seu modus vivendi, pelos seus hábitos e costumes, em suma pela sua cultura que fala da sua relação com o divino. Que seria do discurso teológico sem o homem? Que seria da teologia sem a realidade deste “animal” racional? Em termos teológicos, que seria da auto – manifestação de Deus sem a condição do ser humano? Estas questões mostram que teologia e cultura são, não só historicamente inseparáveis, como também são realidades a não excluir. Dai que, não se pode falar da teologia sem se referir, no pano de fundo, à uma realidade cultural (seja ela dos leitores primários ou secundários). Nesta perspectiva, podemos afirmar que a cultura modela o tipo de discurso teológico (por exemplo, teologia da salvação, de Aliança, de Libertação, etc.). É da cultura que se faz Teologia. É do discurso teológico que a cultura transcende a simples ideia de hábitos e costumes
A cultura modela o tipo de discurso, a cultura enquanto paradigma de interpretação teológica
Quando lemos as diversas narrativas bíblicas da libertação no Egipto ou da Conquista de Cana, a narrativa de Jacob e Esau, a fome em Israel, a mulher adultera, etc. temos a impressão de que se trata de um contexto bem preciso com marcas identitárias evidentes. Fala-se de um povo e suas preocupações vitais, do seu vivido e seu itinerário. É um povo com o seu próprio sentimento, com a sua própria interpretação dos eventos. Mas, é precisamente neste povo, nas condições que lhe são peculiares, que um “Deus forasteiro” se auto – manifesta. A manifestação ou vem para encorajar a situação em que os homens se encontram ou para desencorajar ou ainda dar um novo significado a vida, porém a realidade é a única, esta auto – manifestação do divino acontece aqui e ali, nesta e naquela comunidade histórica, neste e naquele contexto histórico, nesta e naquela cultura precisa. Neste caso, todo e qualquer tipo de discurso pronunciado em torno desta auto – manifestação, será compreendido à luz da cultura e do contexto presente. O discurso será formulado a partir e através deste contexto, desta cultura. A compreensão de auto – manifestação do divino será em função da concepção deste povo marcado por este contexto. É assim que a mensagem veiculada será circunstancial, contextualmente cultural. À luz da cultura o discurso profético é audível. A cultura é um elemento chave para uma elaboração teológica útil e ressonante. Uma teologia que não se apoiaria da cultura como paradigma de interpretação seria um “tambor vazio”.
Teologia e cultura, dois conceitos, uma relação
Seria absurdo e imprudente separar a teologia da cultura. Os textos bíblicos que nos foram transmitidos deixam traços culturais muito fortes. A cultura modela o tipo de discurso teológico. O discurso teológico é o resultado da compreensão da relação entre o homem e o divino à luz do seu paradigma de interpretação. Trata-se de dois conceitos que se relacionam entre si. Temos um elo de ligação intrínseco entre teologia, enquanto discurso sobre… e cultura, enquanto discurso comum sobre... Esta ligação consiste no facto de que a teologia não deve se distanciar da cultura e este último não exclui os discursos “teológicos”. Não há cultura sem teologia, do mesmo se pode dizer que não há teologia sem cultura. Toda cultura tem teologia e toda teologia é cultural. Assim sendo, para uma teologia audível hoje, é necessário uma nova abordagem. É urgente o uso e aprimoramento do conceito de “inculturação” enquanto diálogo contínuo entre fé e cultura, enquanto o encontro entre o Evangelho a cultura. Isto porque, toda teologia é contextual.
Daniel Joaquim